Clínica Infantil Indianópolis

Conflitos e lutas de poder entre pais, avós com as crianças e o Pediatra – Um roteiro das consultas

   CONFLITOS E LUTAS DE PODER ENTRE PAIS, AVÓS COM AS CRIANÇAS E O PEDIATRA


                                                      Um Roteiro de Consulta 

*Dr.! Meu filho não come!
Frequentemente, o problema do meu filho não come ou come muito pouco está mais na cabeça dos pais do que na realidade da criança e é o anseio de que a criança corresponda à uma imagem ideal, por vezes diferente de suas reais características e do seu tipo físico e se a criança é magrinha ou miúda, então os pais, geralmente, sofrem fortes pressões familiares com cobranças em tom intimidativo e alarmante do tipo: vocês não estão alimentando direito esse (a) menino (a), se vocês deixarem essa criança assim, vai ficar anêmica e daí vai entrar nos antibióticos.
– Se fizermos uma retrospectiva através do tempo, muito provavelmente, também tivemos este tipo de problema com nossos pais e avós. Essa preocupação é absolutamente normal pelas pessoas que nos querem bem, porém, é preciso que não se torne anormal, pois tudo que ocorre em demasia, nos dois sentidos, é sufocante ou cai no descaso, chega até a esmorecer o relacionamento, por mais íntimo que seja.

*Dr.! Então quanto deve comer? Meu filho nasceu prematuro, com baixo peso e teve muitas doenças no primeiro ano de vida.
A quantidade de alimento é a que satisfaz e promove um crescimento normal. O apetite da criança, assim como o nosso, varia de um dia para o outro e de acordo com uma determinada fase de seu desenvolvimento, de forma que não há como precisar o quanto de alimento deve receber em cada refeição e é certeza que uma criança nunca irá comer igual à outra, pois cada qual tem seu apetite e um paladar diferente e não há diferenças com relação ao fato de ter nascido nessas condições, desde que seu desenvolvimento pondo-estatural e neuropsicomotor estejam normais.


*Mas Dr.! Meu filho até um ano comia de tudo, até que contraiu uma gripe e desde então passou a comer muito pouco, quase nada.
Pois é, a criança até um ano come o que lhes é oferecido e depois começa a impor uma predileção por certos alimentos, ou seja, a fazer o próprio cardápio.
As crianças, independentemente do sexo, nascem com um peso aproximado de 3.500 g e uma estatura em torno de 50 cm, os meninos um pouco mais, mas não há diferenças significativas e obviamente que em se tratando de um uma gestação de termo (nove meses), com um pré-natal monitorado adequadamente e sem intercorrências do tipo diabetes gravídica, hipertensão, eclampsia.        
No final do primeiro ano, estima-se um peso de 10 Kg e uma estatura de 75 cm, portanto, um acréscimo de seis quilos e meio no peso e de 25 centímetros na altura.
Se esperarmos que as crianças, nos próximos anos, tenham um crescimento proporcional ao do primeiro ano de vida, então, com 10 anos iriam ter aproximadamente um peso de 70 quilos e medir 3 metros, enquanto o esperado é um peso de 18 até 22 Kg e uma altura entre 1.35 a 1.40 m.
Portanto, a partir do primeiro ano há uma redução fisiológica, absolutamente normal, do apetite por desaceleração do crescimento.


Um agravante, é que as crianças passam a comer menos após uma infecção, o que é de se esperar, mas uma vez sanado o problema, certamente, pelo menos é o que se espera, elas voltarão a comer,  desde que não se permita o beliscar ou que coma fora dos horários, enfim: sem o festival de chocolates, balas, bolachas e afins.


Difícil, mas é quando, frequentemente, se instalam as transgressões, os erros educativos e, muito mais cedo do que podemos supor, as crianças percebem os pontos vulneráveis da família e passam a desenvolver suas táticas de poder para obter o que querem e é notório a maior preocupação em colocar mais coisas para dentro das crianças: comida e conhecimento, pois não há muito a contestar que as crianças bem nutridas e sabidas estão mais preparadas para a vida futura.
Assim, o comer pouco se torna uma arma de controle e dominação, de modo que as crianças dificilmente renunciarão às intransigências do comer pouco, já que isso significa a perda da coroa, do poder, de ser o alvo das atenções.
Arma-se, desse modo, o cenário para o desenrolar da guerra da comida e uma das armas empregadas é a de precipitar um sentimento de ciumeira e até uma situação constrangedora diante das crianças comerem relativamente bem na casa de amigos, em festas ou na escola ou com outras pessoas, mas tem também um gostinho de satisfação e alívio que compensa por estarem comendo ainda que com a babá ou com a vovó sogra.


*Dr.! A hora da comida é terrível, parece até que estamos no circo.

Para minimizar o problema e melhorar os ânimos, a família emprega as mais variadas técnicas para que a criança aceite uma(s) colherada(s) à mais da comida:
-Técnica de persuasão ou de súplica: come filhinho, só mais uma colherzinha, pelo amor de…                                                         -Técnica de sedução ou de barganha: se você comer tudo eu compro aquele carrinho, vai ganhar aquela sobremesa que você mais gosta. Técnica que pode conduzir a da sacanagem ou do não cumprimento da promessa e, consequentemente, culminar em descrédito.                                                                                                                         -Técnica da distração ou da confusão (tapeação): lá vai, olha o aviãozinho, amanhã irá olhar para o avião e falará: lá vai a colherzinha.
Há casos em que as encenações assumem um patamar de sofisticação, que a hora das refeições se transforma em um verdadeiro picadeiro de circo, onde a criança literalmente comanda o espetáculo, obviamente, o que lhe agrada.
Entretanto, se a criança reluta entrar em cena e não aceita o alimento, a preocupação pode induzir aos extremos da insensatez e a tática empregada passa a ser a do se não vai por bem (numa boa), então, vai na marra, em tom intimidativo e inquisitivo, com coação, ameaças e castigos, que fomentam a ansiedade e a insegurança à mercê das expectativas de a tática não surtir e até surtir efeito contrário e, do lado da criança, se as ameaças serão cumpridas. Caso sim, muito pouco provavelmente, pode sobrevir o desapego, caso contrário: o descrédito e a insegurança.
 Portanto, deve-se evitar as imposições do se não comer, não vai ganhar sobremesa, vai ficar sem assistir televisão, sem videogame, vai dormir e, muito menos, se não comer, o chinelo vai “cantar”, vai ficar aqui pertinho do prato, vai apanhar.
A ansiedade e as tentativas para forçar a criança a comer, constituem um mau tempero que pode inclusive fazer dos alimentos algo repugnante, o que, muitas vezes, impulsiona a fazer um cardápio à parte e é o que pode gerar ressentimento nos irmãos que por comerem bem, não recebem tratamento privilegiado e, desta feita, podem passar a usar do mesmo artifício e o imbróglio na família está formado!


*Então, é melhor dar uma vitamina, um estimulante do apetite?

Sempre que houver algum problema, é fundamental a identificação da causa e instituir o tratamento específico.
 Assim, pode-se recorrer ao aporte vitamínico para suprir mais rapidamente a sua carência, contudo, desde que não se negligencie a investigação da causa e que se institua o seu tratamento.
Quanto aos estimulantes de apetite, não há necessidade de estimular algo que esteja normal e quando se identifica a causa, deve-se priorizar o tratamento, entretanto, em determinados casos, como nos chancelados como falure to thrive, ou seja, quando o desenvolvimento estiver insatisfatório e não se identifica a causa, há indicação formal, inclusive para amenizar a ansiedade da família, mas com cuidados adicionais para não mascarar a evolução do quadro, que exige um monitoramento clínico mais assíduo.


 *Dr.! Como vamos fazer?
Valendo ser repetitivo e sem radicalizar:
– No dia a dia, o horário das refeições deverá ser regular, porém, não inflexível. Convém deixar a criança descansar alguns minutos antes das refeições. Não interromper bruscamente suas atividades ou brinquedos.
– Não permitir que coma fora dos horários de refeições. Evitar que fique beliscando e sem o festival de chocolates, balas, biscoitos, bolos, entre as refeições.
 Geralmente, durante alguma infecção, quando há uma falta de apetite, os pais agem com mais liberalidade e é quando pode se instalar a balbúrdia.
Quase sempre as mães e as vovós, me perdoem o chauvinismo, têm receio de que a criança enfraqueça, no entanto, isso não ocorre com facilidade.
 Ao cabo de algum tempo, se a família não fixar sua atenção e a afetividade neste problema, com certeza a criança voltará a comer o que comia—voltará a comer o quanto necessita—a quantidade adequada de alimento é a que satisfaz e proporciona um bom desenvolvimento pondo-estatural.

– A mesa deve estar sempre bem arrumada e o ambiente ser agradável, sem discussões, reprimendas ou castigos.
– Procurar variar o cardápio e adequar de acordo com o clima (um minestrone em noites de verão, no mínimo, é falta de bom senso), respeitar o paladar, a aceitação e a recusa dos alimentos. Tentar mudar periodicamente o tempero e a apresentação dos alimentos recusados.
 É costume, de muitos, oferecer sucos e até refrigerantes durante as refeições, o que pode, em alguns casos, reduzir a aceitação da comida e até predispor aos refluxos gastroesofágicos.
– Colocar pouca comida no prato, pois, na maioria das vezes, um prato cheio desanima. Algumas crianças preferem que os alimentos sejam colocados no prato em separado, outras os misturam. Essas preferências, geralmente, se devem a imitação dos adultos da casa que lhes servem de padrão, assim como a predileção por certos alimentos com detrimento de outros.
– Nunca falar na frente da criança que não gosta de um determinado alimento, pois é comum o relato de crianças que não aceitam um alimento, sem sequer terem experimentado.
– Jamais forçar, ameaçar, agradar, chantagear ou castigar a criança para comer. Manter atitude calma e indiferente.
– Oferecer pequenas quantidades de cada vez e deixar que a criança solicite mais daquilo que desejar. Evitar a pressa exagerada no oferecimento dos alimentos, tampouco que as refeições se prolonguem em demasia. Parece razoável uma duração de no máximo meia hora, depois desse prazo os pratos devem ser retirados com a maior tranquilidade, sem manifestos de não terem feito o paladar.

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